CHEILA GONÇALVES A História resumida do meu infortúnio No passado ano de 2024, encontrando-me há cerca de 3 anos a trabalhar nos serviços financeiros da sucursal Portuguesa da multinacional Air Liquide - gigante europeu da indústria do Gás - como resposta à minha candidatura, recebi uma oferta para me transferir para a Sede da Empresa em Paris. E foi assim que na Primavera desse mesmo ano, ainda em plena crise do Covid, me mudei de Portugal para a França na companhia duma pequena mala com os meus pertences essenciais, mas carregando uma enorme apreensão pelo arrojo do passo que acabava de arriscar no desconhecido e também o peso nostálgico por deixar bem longe para trás as minhas referências de sempre, particularmente a minha família e os meus idosos pais... No lado oposto das emoções, viajava extremamente feliz por encetar uma nova experiência na vida, com os braços cheios de projetos e sonhos; afinal estava a vir para Paris, cidade onde estivera com os meus pais com apenas 3 meses de idade e que de repente me aparecia no horizonte imediato como uma possibilidade exequível de realizar um sonho antigo. Alojada pela Empresa no "coração" da “Cidade Luz” a curta distância do meu trabalho, no fatídico dia 21 de Maio, consumi uma refeição, pré-confecionada e embalada industrialmente, que tinha comprado num supermercado na vizinhança. Foi o início do meu calvário: no dia seguinte comecei a sentir-me fortemente indisposta (visão turva e tonturas). Recorri, então, a uma consulta on-line que me diagnosticou Stress e normal perturbação resultante da minha recente mudança de vida e do inevitável e angustiante período de adaptação ao emprego, cidade nova, país diferente. Infelizmente o meu inicial mal-estar dava sinais evidentes de agravamento, levando-me no dia seguinte a apelar à ajuda de uma familiar residente em França, que me acompanhou às urgências de um dos hospitais da região parisiense onde fui observada e onde corroboraram o diagnostico obtido na minha consulta não presencial, não recorrendo por isso (creio) aos habituais meios de prevenção de riscos maiores e limitando-se a recomendar que me quedasse algum tempo no Hospital em regime de observação. E é nesta condição, e neste espaço de responsabilidade dos agentes hospitalares que no dia seguinte, o meu estado se deteriora rapidamente e a olhos vistos, com a perda da fala, da locomoção e da visão.......... culminando numa paragem cárdio-respiratória... O meu coração parou, 20 minutos depois de terem garantido à minha irmã gémea, que a situação “não era de todo preocupante”, que era “totalmente reversível” e que “não estavam preocupados com a minha vida” palavras proferidas por um médico estagiário... Fui reanimada e consequentemente submetida ao coma induzido e à ventilação mecânica. Como é lógico, tudo o que acontece posteriormente é-me relatado pela minha irmã e meus pais, que viajaram de imediato para a França para estarem comigo nesse funesto momento da minha vida: ............................................................................................................... (família dixit) "Exames efetuados no renomado Instituto Pasteur aos restos dos alimentos ingeridos pela Cheila, deram como resultado: intoxicação com Clostidrium boutulinum, vulgo BUTOLISMO, bactéria encontrada no solo, nas fezes humanas ou de animais e nos alimentos, doença que pode conduzir a morte por paralisia da musculatura respiratória. O estado comatoso que resultou de um diagnóstico completamente “a leste” da verdadeira causa da crise que levara a Cheila a recorrer ao socorro médico, arrastou-se por cerca de dois meses, sendo de destacar nesse período, uma reunião com o corpo médico na qual nos foi dado saber que " exames altamente sofisticados realizados à paciente, registavam sem margem para dúvidas que não voltaria a acordar, por conseguinte, não se justificava a continuação dos esforços destinados à sua impossível reanimação, por outras palavras : "era chegado o momento de desligar os aparelhos sustentadores da vida ". Como se pode imaginar, este foi um momento alto no nível da pungência e dor que nos dilacerava! Repudiamos veementemente a insidiosa informação capeada como "certeza técnica" por duas razões fundamentais: 1° parecia-nos que estava a ser concedido muito pouco tempo à aposta num despertar do coma, e 2° porque observávamos com alguma frequência pequenos/micro movimentos da doente que nos "garantiam" que o seu corpo estava vivo. Poucos dias depois desta tempestuosa reunião, a nossa Cheila reabriu os seus olhos para nós e para o Mundo! Foi o dealbar da sua caminhada de reabilitação, que resultou numa transferência para o Hospital Raymond Poincaré, referência em França na recuperação de casos análogos ao da Cheila." .............................................................................................................. Atualmente, e depois de 1 ano hospitalizada neste centro de reeducação, onde tive que reaprender a respirar sozinha, reaprender a falar, reaprender a comer, a minha reeducação clinica encontra-se num patamar bastante avançado, tendo já recobrado as minhas capacidades sensoriais, (bons níveis de audição e de visão e gozando de uma capacidade cerebral igual à anterior ao acidente - ex: leio e escrevo nas 4 línguas que domino (português, francês, espanhol e inglês) -, memorizo e recorro à memória com normalidade continuando, todavia o tratamento médico para aperfeiçoamento e consolidação dos progressos alcançados. A parte mais problemática tem sido a motricidade. Está em curso um programa cirúrgico visando corrigir anomalias ósseas - osteomas desenvolvidos nas ancas - resultantes do coma, ao mesmo tempo que se dá continuidade, com maior grau de intensificação, aos exercícios que têm como objetivo final: o meu caminhar. Está previsto para a última quinzena do mês de Setembro o fim do internamento hospitalar e a minha transferência para o regime de "Hôpital de jour = Hospital Ambulatório", ou seja: passo a residir fora da unidade hospitalar mas continuo, todavia, com os programas de tratamento de reeducação prescritos e administrados pelas autoridades médicas tutelares. Tenho a sorte de contar neste momento de angustia com a presença permanente dos meus pais e pontualmente dos meus irmãos, que me respaldam sem desfalecimento, reconfortando-me com a sua companhia, dando-me a coragem, a força anímica e o estimulo indispensáveis para ultrapassar esta dificílima provação. Nesta cruzada contra o infortúnio, seria ingratidão minha não exprimir uma forte palavra de reconhecimento pelo amor e carinho indefetíveis da minha família e a solidariedade e humanidade de muitos dos meus amigos, colegas e simples conhecidos. Um muito obrigado a todos, Cheila
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